Desconsideração da personalidade jurídica da empresa x empreendedorismo

A fim de que possamos fazer uma análise reflexiva concernente as recentes decisões e a tendência dos nossos tribunais pátrios quanto a extensão da responsabilidade civil da empresa relativamente aos sócios e gestores, devemos lembrar o caráter social que uma empresa possui perante a sociedade, gerando empregos, recolhendo tributos, enfim, movimentando a economia. 

Conceitualmente, uma empresa corresponde a uma unidade econômica e social, devidamente integrada por elementos humanos, materiais e técnicos, que conjuntamente objetivam apresentar utilidades através da sua participação no mercado de bens e serviços. Frisa-se que, embora a função social da empresa não esteja expressamente disposta na Constituição, entende-se que a mesma guarda amparo constitucional em razão da previsão expressa pela função social da propriedade.

Desse modo, verifica-se que, a Constituição confere à iniciativa empresarial importante papel na nossa sociedade, condizente com seu poder econômico e político. A empresa, enquanto atividade de organização dos fatores de produção que é, está a ocupar no meio social, papel muito maior do que gerar e circular riquezas, ela atua como mecanismo de sustentação e transformação da ordem social.

Ocorre que, atualmente, quando tratamos de relação de consumo, e havendo insolvência da empresa ré (art. 28, §5º, CDC), os tribunais pátrios têm entendido pela aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica da empresa quase que automaticamente (Resp 279.273/SP), situação esta que acarreta na responsabilidade pessoal dos sócios relativamente a dívida apurada nos autos, respondendo estes até mesmo com o seu patrimônio particular.

Portanto, não mais se necessita do enquadramento da empresa e/ou dos seus sócios nas hipóteses previstas no art. 50 do Código Civil para que o sócio (s), este especificamente, responda com o patrimônio particular pela dívida da empresa, bastando existir o estado de insolvência da entidade empresarial a qual participe ou administre, e a relação firmada entre as partes ser de consumo, ressalvado alguns casos excepcionais que variam quanto ao grau de responsabilidade do sócio e/ou administrador, o que não nos cabe tecer maiores considerações em razão de se apresentar como exceção à regra dos posicionamentos jurisprudenciais sobre o tema e casos em geral.

Diante desse quadro, o posicionamento trazido e ainda não pacífico, de maneira geral traz muito desconforto aos empreendedores do país, francamente, um desestímulo ao desenvolvimento, que numa hipótese passageira de insolvência/dívida da empresa, situação muito normal devido às variações atuais e econômicas, poderá sofrer de prejuízo irreversível, respondendo com o patrimônio particular que geralmente é de conquista muito suada. Daí nasce mais um dentre outros desafios enfrentados pelo empreendedor, que no cenário nacional, de largada, ao abrir um negócio, já se depara com a burocratização e alta carga tributária como pontos negativos do negócio, obrigações e riscos inerentes ao empreendedorismo formal.

Nesse sentido, ficam registradas as consequências devastadoras que efetivamente pode sofrer o empresariado quando, ao se deparar numa situação momentânea de insolvência, e em litígio judicial sob a óptica do Código de Defesa do Consumidor, como réus e/ou executados, responder com o patrimônio particular se confirmada a pretensão do autor/exeqüente, hoje, ainda, dependendo do posicionamento do juízo que julgar o caso concreto, visto que, conforme falado acima, o posicionamento dos Tribunais ainda não consta pacificado, mas já aponta-se para uma tendência negativa quanto ao tema em desfavor do empresariado.

Também, fica consignado ao leitor, em questionamento, a incógnita ora trazida se o posicionamento jurídico e generalizado da desconsideração da personalidade jurídica da empresa com base na simples insolvência, à luz do CDC, não se apresentaria como retrocesso ao desenvolvimento econômico e em claro prejuízo ao coletivo social, já que bens úteis e necessários à vida de homens e mulheres se produzem por meio de empresas, e não de outra forma.

Talvez, sugestivamente, a solução para consumidores e empresários fosse muito mais simples, apenas uma fiscalização periódica do organismo responsável, claro, se existisse algum, no sentido de cobrar dos empresários a efetiva integralização do capital subscrito através dos contratos sociais empresariais, em geral meras ficções que não superam o plano da promessa. Isso, se somando a exclusão da diversidade de tipos jurídicos societários existentes no ordenamento, ajudaria, e muito, sob o aspecto da segurança, dano garantias as contratações no mercado, à todos, inclusive sob o viés consumerista. Seria simples, mas a regra ainda é a complicar.

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